Direito de Família na Mídia
Anencefalia - O debate continua
06/07/2005 Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do SulA única vida a ser resguardada era a da mãe
Polêmico por natureza, o aborto gera discussões sociais e jurídicas em todos os seus aspectos. Ao se tratar especificamente do caso de fetos anencéfalos, o debate adquire características particulares e abarca considerações não-previstas em nossa legislação. A anomalia, que provoca a ausência dos dois hemisféricos encefálicos, bem como da calota craniana, impede a vida extra-uterina dos embriões em 100% dos casos, além de trazer risco de morte à grávida. Nessas circunstâncias, ações com pedidos para interrupção de gestações têm-se tornado mais freqüentes. Uma das pioneiras no julgamento favorável ao pleito é a Juíza de Direito Maria Lucia Buchain, da Vara Cível do Foro Regional da Tristeza, na capital.
A primeira decisão tomada nesse sentido ocorreu no ano de 2000. Em entrevista ao programa "Justiça Gaúcha", a magistrada revelou os motivos que a influenciaram. O pedido foi veiculado pela Defensoria Pública, instruído com duas ultra-sonografias e um laudo médico firmado por dois profissio-nais, atestando que se tratava de uma gravidez com impossibilidade de vida do feto por anencefalia. "Percebi que a possibilidade de vida do bebê era inexistente e a única vida a ser resguardada era a da mãe", refletiu. Lembra que o próprio Ministério Público alegou que obrigar a gestante ao parto seria submetê-la a um sofrimento desnecessário e até a um ato de heroísmo.
Para embasar sua decisão, a magistrada considerou o ano de que data a Legislação Penal. "Em 1940 certamente não tínhamos condições de detectar com precisão esse tipo de doença", ressalta. "O legislador não podia prever que hoje disporíamos desses recursos." Ainda que não houvesse previsão legal para o caso, a Juíza buscou uma solução dentro do próprio ordenamento jurídico. "Procurei preencher esse vazio normativo utilizando a analogia como recurso de interpretação." Para tal, recorreu ao artigo 128 do Código Penal, que permite o aborto quando ele é necessário (para salvar a vida da mãe) ou humanitário (em caso de gravidez decorrente de estupro) e relacionou-o com o episódio em questão.
A magistrada assevera o respeito a opiniões e decisões contrárias: "É difícil determinar o que é certo. Envolve muitas paixões, dogmas e crenças", reconhece. Mas justifica sua atitude afirmando que ficou mobilizada ao imaginar a dor de uma mulher que carrega dentro de si um ser gerado para a morte, e não para a vida. Citando o Ministro Joaquim Barbosa, ela diz que "a proteção ao nascituro não pode excluir os direitos da gestante".